segunda-feira, 6 de abril de 2009

Sheila


Sheila era saudável, loura como o pai. Os olhos - verdes, quase azuis - eram grandes como os de Guadalupe. Assim como o nariz, a boca, o ar afogueado como se só ela mandasse no mundo. Mesmo naquele seu mundo infantil de poucas regalias, já dava para se ver que seria como a mãe.
Antes de a guerra de 1914 explodir, Adolph Frederick já se alistara. Alistou-se com a patente de capitão devido à sua especialidade e deu baixa como major-médico. E foi assim, a tiros de revólver, que começou uma das mais sangrentas guerras da história da humanidade. Guerra essa que desde os primeiros dias empolgava o Dr. Adolph Frederick Yeperssoven, na época, com quarenta anos. A tal ponto que, quando teve que escolher entre a sólida reputação como cirurgião-médico em Munique e as trincheiras enlameadas do front balcânico, optou pelo campo de batalha. Como era major da reserva, foi para a zona de combate promovido ao posto de coronel-médico. Sheila alistou-se com ele, serviu com ele e com ele morreu.
Adolph Frederick tinha um mês de guerra quando morreu, às 18:00 do dia 23 de agosto de 1914, durante a batalha de Tannenberg, na fronteira Leste da Prússia Oriental. Na ocasião, chefiava um pequeno hospital de campanha em Franbinau, perto de Tannenberg. O local era precário, um velho teatro abandonado, perdido num lugarejo por onde, de tanto a guerra passar, só restava ele como casa, em pé. Mas era, também, caminho obrigatório para as tropas que iam e vinham das batalhas. Na ida, soldados resolutos e canhões galopados por fogosos cavalos. Na volta, hordas maltrapilhas e trôpegas. A maioria, uma desordenada clientela de homens feridos e aleijados que tinha um endereço certo: o hospital do coronel-médico Adolph Frederick. Por tudo isso, o trabalho, ali, era full time. Ele, seus dois auxiliares, os capitães- médicos Fritz Hausen de Joseph Gröeber - que, até hoje se revezam reencarnados nos aparelhos do Dr. Fritz - , Sheila, dois cabos-enfermeiros e sete padioleiros. Essa era a equipe do coronel-médico Adolph Frederick Yeperssoven naquele arremedo de UTI, onde trinta macas faziam às vezes de mesas operatórias, que para a emergência que aquilo era, até que servia. Pelo menos não faltavam medicamentos, desde o material para cirurgias, até anestésicos, que culminavam com a morfina, passando por outras drogas da restrita farmacologia da época. Luz, só tinham a de lampiões de campanha. E a água, apanhavam num riacho que passava nos fundos, correndo rápido para a foz do rio Vístula, ali perto.
Na batalha de Tannenberg - uma das mais sangrentas da Primeira Guerra Mundial - morreram 125 mil soldados russos. O general Samsonov suicidou-se para não ser aprisionado. As baixas alemãs foram de 14 mil homens. Entre eles, o Dr. Adolph Frederick Yeperssoven, sua equipe e a maioria dos pacientes, quando o hospital foi atingido por um obus do tipo Torpedo Shell, de fabricação belga, que tinha um poder de destruição pouco menor que os 105 usados pelos americanos na Segunda Guerra Mundial e na Guerra da Coréia. A artilharia do general Vassilievitch Samsonov estava equipada com armas belgas e francesas.
O que se sabe agora - à luz da doutrina - é que ele cumpriu o seu ciclo cármico, completando cinqüenta anos de presença incorpórea entre nós. E que, por ter completado a sua tarefa, seria, agora, um Espírito de Luz.
Esses Espíritos de Luz são espécies de apóstolos do astral. Ou, se quiserem, ministros de Deus. As almas só se iluminam após se purificarem de todas as mazelas das suas encarnações. A partir daí, não mais retornam à Terra. Assumem, então, as funções maiores, que se poderiam chamar de marechalatos espiritualistas. O Dr. Fritz, por exemplo, disse reiteradas vezes que, quando em missão mediúnica na Terra, liderava uma das falanges do Arcanjo Gabriel, produtor espiritualista do Brasil (outra das razões de ele incorporar em aparelhos brasileiros, tendo com conselheiro Ismael - em vida, patriarca dos árabes -, braço direito de Gabriel, a quem (segundo os espíritas) Deus entregou a tarefa de evangelização do Brasil).

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